"Os nossos países não enfrentaram seriamente os problemas da economia"

Em entrevista por escrito ao DN, o antigo presidente do governo espanhol, Felipe González, critica o Podemos e dá o benefício da dúvida ao Syriza. Acusa os neoconservadores europeus de quererem o falhanço grego.
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A crise que se vive na Europa das dívidas soberanas não é também uma crise das lideranças?

Para começar, a crise na Europa é algo mais e distinta de uma crise da dívida soberana. Por isso, na relação com a liderança (ou a sua ausência) há que referir a natureza da crise e a resposta europeia, particularmente a da "zona euro".

A única liderança que se sente na Europa é a da Alemanha, sem a compensação de um equilíbrio francês desde há algum tempo e sem que o resto dos parceiros proponham alternativas. E esta liderança tem sido negativa para a superação da crise. Errou na abordagem das políticas económicas e estruturais.

A obsessão pela austeridade, levada ao extremo, tornou impossível a combinação de políticas praticadas nos Estados Unidos com muito mais sucesso, como qualquer um pode constatar.

Se o enfoque fosse a dívida soberana, teríamos que constatar que, depois de enormes sacrifícios, a situação é pior na maior parte dos países (resgatados ou não) que no início da crise. Por exemplo, em Espanha, tínhamos 37% de PIB como dívida soberana em 2008, agora temos aproximadamente 100% e pelo caminho ficámos com milhões de desempregados e serviços educativos e de saúde deteriorados. Para que serviram estes sacrifícios?

A nova liderança grega traz alguma esperança à Europa? Vê nela a possibilidade de uma proposta europeísta liderada pela social-democracia, como defende no seu livro?

É cedo para julgar a nova liderança grega. O Syriza recolheu uma parte do profundo descontentamento da sociedade grega, mas creio que estão errados na abordagem e, talvez, nos primeiros passos dados. Também é difícil explicar a coligação com um partido de extrema-direita e antieuropeu. Fui convidado do Conselho Europeu de março de 2010, no qual se desenhou o primeiro ato da tragédia grega. Papandreou contou a verdade sobre as contas do seu país e o Conselho reagiu matando o mensageiro. Seguindo o argumento da sua questão anterior, a dívida grega então admitida era de 120% do PIB e agora, cinco anos depois, é de 175% do PIB. Pelo caminho, perderam um quarto da sua riqueza e a maioria dos seus cidadãos uns 50% ou mais. O desemprego disparou e afundou-se o sistema de saúde, a educação, as pensões, etc...

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